quinta-feira, 2 de setembro de 2010

Palavra desgastada...

Se há palavra avassaladora que invadiu e continua a invadir os léxicos de todo o mundo é a palavra crise. Ao escrever esta palavra, como que sentimos uma certa saturação verbal que tresanda a lugar-comum.
Apesar de tudo a crise continua a dominar os espíritos e as sensibilidades de toda a gente. Neste rol de preocupações linguísticas também não fugi à regra e vou citar a grande crise que domina o mundo inteiro e as suas causas mais salientes.
As primeiras brechas na estrutura mental e moral do mundo moderno, é justo termos de as ir buscar a Lutero e Descartes. O deísmo inglês, o filosofismo francês, o iluminismo alemão, sobretudo, o racionalismo kantiano, alargaram os rombos do século XVIII. A louca divinização do homem pelo positivismo de Comte, pelo ateísmo de Nietzsche e pelo materialismo dialéctico de Marx realizaram a desintegração progressiva do homem europeu para uma derrocada final. Primeiro, foi a rotura entre a ordem natural e sobrenatural. Depois, entre o objectivo e subjectivo confinado ao mundo dos fenómenos, o homem moderno desagregou do verdadeiro sentido da vida. A negação do último fim das coisas degenera na “negação da sua razão primeira”. Daqui a desorientação máxima do homem moderno e o princípio da sua tragédia íntima e social.
O chorrilho de substantivos que acabei de citar, de cariz filosófico, não é, por certo, uma afirmação gémea de erudição barata. Estando no nosso querer ou não, consciente e inconsciente é uma ilusão filosófica da vida e uma metafísica do mundo que norteia a nossa actividade.
Todos os problemas económicos e políticos, morais e sociais, resolvem-se, em última análise, em problemas humanos e pedem soluções humanas inspiradas num conceito da natureza e destino do homem. Sem uma orientação total que desça ao íntimo das consciências onde se elaboram as decisões dos grandes rumos, todas as esperanças de reconstrução social estão fadadas a um malogro inevitável. Assim, a pouco e pouco vamos enfrentando e entrando na chamada crise moderna.
As grandes guerras que assolaram sobretudo a Europa, sacudiram até aos alicerces toda a arquitectura da civilização ocidental. No plano económico surgiram os primeiros sintomas do desequilíbrio. Antes, as desordens do caos, a ciência da economia inspirada no liberalismo, revelaram toda a fraqueza congénita da sua impotência. O seu “homo-economicus” era uma abstracção emoldurada por uma grande névoa. As suas pretendidas leis científicas, que aspiraram ao rigor das leis naturais, não resistiram ao embate dos factos. Faltou-lhe, na base, o contacto com a realidade viva do homem e, nos cimos, a articulação com princípios normativos da moral e da filosofia. E o desequilíbrio perdura, angustioso e profundo, como nunca.
No diminuto texto como este, e não querendo alongar-me demasiado sobre este artigo, logicamente, não será possível exaurir o tema e as causas, que são muitas, da angustiante crise actual. Ao analisarmos as causas que citei, ao mencionar os grandes e doutos filósofos intervenientes, por vezes temos a sensação de que estes filósofos, já bastante distantes, não podem ter influência na crise actual com que o mundo se debate.
Porém, na minha modesta apreciação, julgo que não é verdade. Todos os sistemas filosóficos, distantes de nós no tempo e no espaço, têm ou tiveram a sua influência no aparecimento e na manutenção da terrível crise em que vivemos. Não dá para tentar ficar de fora, infligindo flechas sempre aos outros. Cada um, outrora ou hoje, deve assumir ser réu ou não, mesmo depois de morto, para que muito sucintamente se aclarem as devidas responsabilidades, cujas provas, ficam carimbadas nas memórias de todos e do mundo.

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